A realização do Censo Demográfico de 2020 está ameaçada, caso não sejam aprovados um concurso público de reposição do quadro de servidores do instituto e as emendas ao orçamento ainda pendentes de votação no Congresso, declarou nesta segunda-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme antecipou o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) em 17 de agosto, a equipe econômica do atual governo defendia um censo mais enxuto, por conta de restrições orçamentárias.
O custo total do levantamento foi calculado em R$ 3,4 bilhões pelo IBGE. O órgão enviou ao Ministério do Planejamento um pedido de R$ 344 milhões para investimento em equipamentos e software no ano de 2019. Outros R$ 3,056 bilhões serão estritamente necessários para viabilizar a coleta em 2020.
Em 2018, o órgão recebeu R$ 6,7 milhões em recursos para os preparativos da operação censitária, de uma previsão inicial de R$ 7,5 milhões. Segundo o IBGE, não é possível reduzir o projeto.
“A realização do Censo Demográfico 2020 está ameaçada, diante da avalanche de aposentadorias sem a reposição do quadro. Desde 2017, a direção do IBGE vem empreendendo ações para viabilizar a realização de concurso público para o preenchimento de 1.800 vagas, medida imprescindível para evitar a descontinuidade de atividades essenciais do Instituto. No entanto, até o momento não foram concedidas autorizações para os pleitos apresentados”, informou o IBGE, em nota à imprensa.
O instituto diz que vem trabalhando junto ao Congresso Nacional para que acolha e aprove as emendas parlamentares que recompõem o orçamento para a reposição de pessoal, além das atividades do Censo 2020. Não fazer o Censo Demográfico traria prejuízos internos e risco à imagem internacional do Brasil, alertou o IBGE.
A escassez de recursos humanos no IBGE ameaça o plano de trabalho do Instituto e a produção de informações estratégicas para o País, argumenta o instituto, responsável pela produção de mais de 50 pesquisas com informações sobre mercado de trabalho, atividades econômicas e condições de vida da população. O órgão lembra que os indicadores produzidos orientam investimentos e subsidiam políticas implementadas pelas três esferas de governo, mas que a produção de informações depende de recursos financeiros, tecnológicos e humanos.
A redução no quadro de pessoal já teve impacto no funcionamento da rede de agências do IBGE, responsáveis pelas rotinas de entrevistas domiciliares e pela coleta mensal de informações junto a empresas e produtores rurais.
De um total de 583 agências, 232 já operam com apenas dois servidores, elevando o risco de não realização das rotinas administrativas e técnicas. Outras 61 agências possuem apenas um servidor e estão ameaçadas de fechamento já nos próximos meses. Nos últimos quatro anos, 16 agências do IBGE foram fechadas, pois os funcionários responsáveis se aposentaram e não houve como substituí-los.
“Desde 2008, o IBGE perdeu mais de 2.400 servidores, o equivalente a um terço do total. Este quadro pode se agravar ainda mais, chegando a um impasse, pois, hoje, mais de um terço do quadro funcional do IBGE já está apto a requerer aposentadoria. Essa crise ameaça todo o plano de trabalho do Instituto, incluindo a realização do Censo Demográfico 2020, que já se encontra em planejamento”, afirma o texto. “As reposições feitas por alguns concursos e as reorganizações técnicas, administrativas e tecnológicas ocorridas ao longo desse período procuraram reduzir as perdas, mas agora, diante da severidade da redução do quadro de servidores, somente um novo concurso público poderá resolver essa situação-limite”, complementa.
O Brasil realiza censos demográficos desde o Império, sendo o IBGE responsável pela operação desde 1940. A não realização do Censo impossibilitaria a atualização do conhecimento da realidade demográfica e socioeconômica dos municípios brasileiros, além de impactar a produção de informações contínuas do IBGE e de outras instituições, que são baseadas em pesquisas que têm as amostras atualizadas e calibradas pelos resultados do Censo.
“De forma mais dramática e direta, haveria prejuízo para o cálculo dos fatores para a divisão do Fundo de Participação dos Municípios e a atualização de políticas públicas, como o Bolsa Família e as metas do Plano Nacional de Educação, por exemplo. Ademais, seria um descumprimento da Lei nº 8.184/91 pelo Estado brasileiro, pois esse dispositivo legal determina a realização decenal do Censo Demográfico”, declarou o IBGE, na nota.
Quanto aos possíveis prejuízos à imagem do Brasil, o órgão lembra que o País mantém compromissos internacionais estratégicos ancorados na produção de indicadores sociais e econômicos, sendo grande parte deles provenientes do Censo. “O Brasil tem obrigações quanto à disseminação de dados junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), à Divisão de Estatística das Nações Unidas (UNSD) e à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre outros, que sofreriam rupturas. Também somos signatários da Agenda 2030 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, assinada pelo Brasil, o que exige um grande esforço de estruturação do sistema estatístico nacional, a fim de que se possa atender à demanda por 240 diferentes indicadores sociais, ambientais e econômicos para monitorar o cumprimento de suas metas. A ausência do Censo Demográfico de 2020 inviabilizaria um número considerável desses indicadores”, acrescentou o órgão.
Há uma semana, o IBGE foi alvo de uma polêmica quando o presidente eleito da República, Jair Bolsonaro, defendeu uma mudança na metodologia da taxa de desemprego no País, dizendo que a pesquisa que atualmente retrata o mercado de trabalho “é uma farsa”. “Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil”, disse Bolsonaro, ao conceder entrevista à TV Bandeirantes no início da noite da segunda-feira passada.
Especialistas consideraram que a fala do presidente eleito demonstrava desconhecimento sobre o assunto. A Associação de Servidores do IBGE reforçou, em nota, que o órgão “segue padrões metodológicos internacionais em suas pesquisas, com a finalidade de que as estatísticas brasileiras sejam comparáveis às dos demais países do mundo”.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também saiu em defesa do órgão estatístico brasileiro: “A OIT apoia fortemente a metodologia seguida pelo IBGE para estimar o emprego e o desemprego, seguindo padrões internacionais”, escreveu Rafael Diez de Medina, chefe de estatísticas e diretor do Departamento de Estatísticas da OIT, em mensagens publicadas nas redes sociais.
Em outra mensagem, Diez disse que estava “extremamente preocupado sobre o futuro das estatísticas oficiais no Brasil”. “O sistema internacional de estatísticas estará em alerta e pronto para reagir a esses tipos de reações na Era Pós Verdade”, criticou.