A Justiça Federal na Paraíba decidiu permitir que a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), de João Pessoa, cultive pés de maconha para fins medicinais. “Mas a concessão é provisória, até a resposta definitiva da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ao pedido de Autorização Especial para plantio”, esclarece nota divulgada na manhã desta segunda-feira (1º) pela JFPB.
A autorização à Abrace foi dada através de liminar, permitindo que a entidade “mantenha o cultivo e a manipulação da Cannabis para fins exclusivamente medicinais”, até a obtenção da resposta definitiva da Anvisa. Com um detalhe: a permissão é destinada somente para atender aos 151 pacientes associados ou dependentes dos associados da Abrace, listados em processo que tramita na 2ª Vara da JFPB.
A decisão em favor da Abrace, da juíza federal Wanessa Figueiredo dos Santos Lima, determina ainda que a Associação “adote todas as medidas ao seu alcance a fim de evitar a propagação indevida da planta Cannabis e do extrato fabricado a partir dela, mantendo um cadastro de todos os pacientes beneficiados, do qual deverá constar documento de identificação pessoal do próprio paciente e do seu responsável, se for o caso; receituário prescrevendo o uso de produto à base de Cannabis; laudo demonstrativo de se tratar de caso para o qual já foram tentados, sem sucesso, todos os tratamentos registrados e informações da quantidade de óleo recebida e das datas de cada entrega”.
Também de acordo com a nota da Assessoria de Imprensa da JFPB, a magistrada estabeleceu que a Anvisa receba o pedido de Autorização Especial no prazo de 45 dias, “nos termos da RDC 16/2014 (resolução administrativa que dispõe sobre critérios para pedido de Autorização de Funcionamento e Autorização Especial de pessoas jurídicas para que realizem atividades envolvendo medicamentos e insumos farmacêuticos destinados a uso humano, produtos para saúde, dentre outros)”.
A nota acrescenta que a juíza Wanessa escreveu em sua decisão um breve histórico sobre a evolução do uso medicinal da Cannabis e fez referências ao registro de decisões da 3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e da 1ª Vara da Paraíba, que autorizaram pacientes a importar produtos derivados da cannabis, reconhecendo, contudo, que os custos da importação são um entrave para famílias carentes. “O custo mensal pode superar R$ 1.000,00, valor que pode torná-lo inacessível para famílias de baixa renda”, afirmou.
A juíza lembrou de uma ação na 3ª Vara Federal da Paraíba na qual se pede o pagamento de tais produtos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas a decisão favorável de 1º grau foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região. “Diante desse dilema, pais de crianças que já experimentaram bons resultados com o tratamento passaram a impetrar habeas corpus para obter salvo conduto a fim de cultivar a planta Cannabis em suas próprias residências”, concluiu.
“Na análise do pedido, a juíza afirmou que tanto a autora Abrace quanto as rés, Anvisa e União, reconhecem a permissão, na lei brasileira, do cultivo e da manipulação de plantas como a Cannabis para fins exclusivamente medicinais e científicos. A controvérsia, no entanto, está em saber se esse direito já pode ser exercido no país”, relata a nota da Assessoria.
Na sua defesa, a Anvisa argumentou que não há regulamentação para que seja concedida a autorização. Mas a magistrada entendeu a “alegação de falta de regulamentação da lei não permite afastar o exercício do direito por aqueles que necessitam dos produtos em questão para preservar sua saúde” e que, na ausência de norma administrativa mais específica, a Resolução 16/2014 da ANVISA “pode ser usada satisfatoriamente para analisar pedido de cultivo e manipulação da Cannabis para fins médicos, proporcionando o controle estatal da atividade sem sacrificar completamente as necessidades dos pacientes”.
Para chegar a essa conclusão, Wanessa baseou-se nas convenções internacionais e na lei que estabelecem expressamente a possibilidade de cultivo e manipulação de produtos contendo substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas com fins exclusivamente medicinais, dentre os quais os extraídos da Cannabis. “Essa previsão decorre do direito à saúde e da garantia da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente assegurados”, ressaltou.
A juíza lembrou também que os produtos formulados à base da Cannabis cuja importação atualmente é admitida no Brasil não são classificados como “medicamentos” em seus países de origem, mas como meros suplementos e, por isso, um produto similar com fim medicinal que venha a ser fabricado no Brasil contendo essas substâncias não deve ser submetido a um controle mais rígido do que os importados.
No processo, há inúmeras prescrições médicas, algumas delas acompanhadas de laudos descrevendo o quadro dos portadores das doenças. “Esses relatos não deixam dúvidas sobre a necessidade imediata de tais pacientes terem acesso aos extratos da Cannabis, de forma continuada, sem interrupção do tratamento. Demonstram também que o uso dessas substâncias tem sido a última alternativa terapêutica, buscada depois que todos os medicamentos registrados foram ineficazes para obter um controle satisfatório das crises e sintomas de suas doenças”, complementa.
Para a concessão da liminar, a magistrada considerou a urgência no pedido, para evitar descontinuidade no tratamento dos pacientes que já se beneficiam do óleo extraído da Cannabis manipulado pela ABRACE. “Caso futuramente se entenda impossível o cultivo e a manipulação da Cannabis pela autora, estes deverão cessar de imediato”, destacou.
Com informações e texto de Juliana Rocha, Assessora de Imprensa da JFPB