
“Adolescentes em conflito com a lei relatam agressões na infância. 55,2% dos jovens em conflito com a lei foram agredidos na infância”.
Punições severas na infância podem influenciar o adolescente a cometer atos infracionais. A afirmação é resultado de um estudo realizado pelo Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Foram pesquisados 64 jovens, sendo que 48,4% deles estavam em conflito com a lei e 51,6% não tinham cometido nenhum ato infracional.
O estudo chegou à conclusão de que se o adolescente apanhou quando criança de forma severa, é mais provável que ele faça parte do grupo de jovens em conflito com a lei. “Identificamos que dos que cometeram atos infracionais, 55,2% levaram uma surra que deixou marcas no corpo, enquanto dos que não cometeram atos infracionais, 28,1% levaram uma surra que deixou marcas no corpo”, diz o estudo, realizado pelos pesquisadores Carlos Eduardo Pimentel, Tamyres Tomaz, Mariana dos Santos, Júlia Barbosa Guedes Pereira e Márcio Davi Dutra.
No Centro Socioeducativo Edson Mota (CSE), localizado no bairro de Mangabeira, em João Pessoa, não é difícil encontrar internos nessa situação. Um adolescente de 17 anos relatou que chegou a apanhar do padrasto com uma mangueira. A agressão deixou marcas.
“Meu padrasto dava na minha mãe direto. Eu via e tentei furar ele uma vez de faca. Mas pensei na minha irmã, que gosta tanto dele. Aí eu saí de dentro de casa, fui morar com meus amigos”, contou o rapaz que cumpre medida socioeducativa pelos atos infracionais análogos aos crimes de roubo e tráfico de drogas.
Ele afirma que não foi responsável pelo roubo dessa vez, mas que já foi internado pelo menos outras duas vezes por ter roubado e tentado matar outra pessoa. O rapaz explicou que se envolveu com o crime com 15 anos por influência de familiares. Para se vingar do padrasto pelas agressões a ele e à mãe, ele já pensou em matá-lo, mas foi desincentivado por amigos. “Na última vez que eu fui preso ele foi me buscar e pediu desculpa a mim e disse que tava arrependido. Eu disse ‘eu perdoo, mas não dê na minha mãe mais não senão eu não vou gostar”, disse.
O adolescente garante que está arrependido dos atos infracionais que cometeu. “Não quero mais voltar pra onde eu moro. Vou pro sítio da minha avó no interior com a minha filha e minha namorada. Vou voltar a aprender a tocar bateria na igreja. Vou dar gosto à minha mãe porque o resto da minha infância foi só dando desgosto a ela”, desabafou.
Outro adolescente interno do CSE, de 15 anos, também teve um passado de agressões em casa, mas eram mais leves. “Quando meu pai bebia, chegava em casa e discutia com a minha mãe, aí eu não gostava. Pegava e saia de casa. Ele batia em mim de vez enquando com uma chinela, quando eu fazia coisa errada. Mas não doía, eu já tava acostumado”, relatou o rapaz.
Porém, a relação conflituosa com o pai pode ter motivado o adolescente a cometer o ato infracional que o levou para o CSE. “Foi assalto. Eu tava sem dinheiro e queria comprar roupa pra mim. Eu não queria depender do meu pai, por isso não quis pedir dinheiro a ele. Mas foi a primeira e última vez”, prometeu.
Os pesquisadores da UFPB afirmam que a punição corporal doméstica não causa apenas dor, mas também sofrimento. “A disciplina e o controle são confundidos com o castigo físico, não constituindo uma forma de ensinar o que é esperado, mas como meio de punir as ações das crianças”, estabelece o estudo.
Durante a pesquisa, os adolescentes foram questionados se sofreram alguma penalidade física quando criança e se esta era cometida de modo severo. Foi levado em consideração se o participante apanhou quando criança e depois de adolescente, a frequência com que acontecia a agressão e se deixou marcas corporais.
Contraponto
A psicóloga do CSE, Lúcia Helena, não consegue perceber essa relação entre punição severa e adolescentes em conflito com a lei no cotidiano da instituição. Ela acompanha de perto 20 internos e constata um problema maior a respeito da violência psicológica.
“Eles sofrem mais uma violência causada pela questão do abandono, negligência dos pais, de não estarem perto para saber com quem os filhos estão andando, se realmente estão frequentando a escola. E eu vejo que a maior incidência, quando eles se envolvem em atos infracionais, infelizmente é pela questão da influência do círculo de amizades”, comentou.
Nos centro socioeducativos, a Fundação do Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (Fundac) oferece aos adolescentes em conflito com a lei oportunidades de ressocialização por meio de atendimentos com psicólogos e assistentes sociais, atividades escolares, atividades esportivas, oficinas pedagógicas e os internos ainda podem fazer cursos profissionalizantes do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).
“Alguns realmente a gente percebe mesmo aquela vontade, aquela motivação de ‘sair dessa vida’, como eles mesmos dizem, para refazer uma nova historia. Só que, infelizmente, não depende só deles. Às vezes a gente pensa que mudar é fácil, é só querer. Mas não é só o querer, isso também vai depender de outras variáveis. Por exemplo, a maioria desses meninos voltam para a comunidade onde eles residem e, infelizmente, a maioria delas sao precárias e dominadas pela questão do tráfico”, ressaltou a psicóloga.
Krystine Carneiro
Do G1 PB