O anúncio do fim da política do filho único por casal na China foi encarado como uma boa notícia para chineses que moram em São Paulo. Embora a norma já tivesse sido flexibilizada em 2013, a maior liberdade para os casais escolherem ter um segundo filho parece bem-vinda.
Com o objetivo de reduzir os problemas de superpopulação do país, a política do filho único, que entrou em vigor entre o fim de 1979 e 1980. A medida evitou que a população atual do país chegasse a 1,7 bilhão de habitantes, contra os atuais 1,3 bilhão.
A estudante universitária Sun Xueyao, de 22 anos, que faz atualmente um intercâmbio na Universidade de São Paulo (USP) aprovou a mudança. “Embora não achasse que a política de filho único fosse tão intolerável, tinha certeza de que no futuro eu teria dois filhos: um menino e uma menina. Tinha certeza de que essa política iria acabar antes do casamento, porque a porcentagem de idosos tem aumentado muito. Essa política não tinha como durar mais tanto tempo”, afirmou.
O envelhecimento rápido da população está entre os efeitos secundários mais prejudiciais da política do filho único para a China. Em 2012, pela primeira vez em décadas, a população em idade ativa caiu. O índice de fecundação no país, de 1,5 filhos por mulher, é muito inferior ao nível que garante a renovação geracional.
Filha única, ela disse que a convivência com quatro primos – todos meninos – na casa da avó amenizou a ausência de um irmão. Todos moravam perto na cidade de Hefei, capital da província de Anhui, no leste da China, onde moram 7,7 milhões de pessoas.
“Cresci muito perto dos meus quatro primos. Cada vez que tinha um feriado, o ano novo chinês, as festas tradicionais, íamos todos para casa da minha avó paterna. Era a única menina, fui muito mimada. Quando criança, não sentia muito a falta de ter um irmão”, lembra.
“Também não me lembro de meus amigos quererem ter um irmão ou irmã. O pessoal aceitava [a restrição]. Era comum, todo mundo era filho único”, conta a estudante do quarto ano do curso de Estudos Portugueses, em Macau.
Com o passar dos anos, no entanto, ela diz ter mudado de ideia com relação a ter um irmão. “Depois que eu entrei na universidade eu comecei a pensar sobre isso. Ser filho único é ser um problema. Você é a única esperança de toda a família, que vai te dar tudo o que você quer. Acho que isso não é muito bom para a criança. Muitos filhos únicos têm o problema de não pensar nos outros”, diz.
Ficar longe da família depois de adulto também se torna uma dificuldade para os filhos únicos já que na China cabe aos filhos tomar conta dos idosos. “Meus pais aceitaram bem a minha ideia de vir para o Brasil, pois dizem que não têm problemas de saúde ou financeiro. Minha mãe me disse: ‘você pode ir onde quiser, viver da maneira que achar melhor. Só não faça coisas ilegais ou más’. Já o meu pai me disse que tem os irmãos e que eles podem se ajudar”, afirmou. Xueyao quer arrumar um trabalho no Brasil e ficar por mais tempo, mas aparenta não se sentir completamente à vontade. “Dor na consciência? Acho que é essa a expressão”, afirma.
A professora de mandarim Rachel Lau, de 27 anos, que também é filha única, concorda. “Para mim, não foi difícil crescer sozinha, mas, às vezes, queria ter um irmão ou irmã. Parte dos meus amigos tinham irmãos e acho que é mais fácil para eles deixar a China, porque podem alternar com o irmão o cuidado com os pais. Na China, é uma obrigação dos filhos cuidar dos pais. Só agora que estão aparecendo mais abrigos”, observa a professora que deixou a cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, há um ano e nove meses para trabalhar no Brasil.
Para Rachel, a principal vantagem é a maior liberdade que os casais terão no planejamento familiar. “Acho que é uma notícia boa. Os casais terão mais liberdade. Se quiser ter mais um filho só vai depender de você”, ressalta a professora que volta para a China neste fim de ano. Rachel, que deve voltar em breve para a China, ainda não sabe se quer ter mais de um filho. “Ainda não sei, mas acho que seria mais interessante ter dois. Ainda estou pensando. Tem alguns amigos que vão querer ter dois, mas outros vão ficar com um só mesmo”, afirma.
Para o tradutor Lidong Sun, de 40 anos, há dois anos no Brasil, os casais chineses enfrentam um aumento no custo de vida e, por isso, não devem necessariamente optar pelo segundo filho. Apesar da flexibilização nas regras após 2013, pesquisas já mostraram que o número de chineses que querem ter o segundo filho ficou abaixo do esperado.
“Vejo a medida como um processo natural. A China já está ficando uma sociedade envelhecida. Por outro lado, no geral, as pessoas não têm muita vontade de mais filhos principalmente nas grandes áreas urbanas. Embora a saúde e educação sejam públicas, é preciso pagar taxas e acaba ficando caro. A China também não tem um sistema de previdência eficiente, por isso, é costume fazer poupança”, diz.
A restrição no número de filhos foi imposta na China quando a mãe de Lidong estava grávida de sua segunda filha. “Minha mãe conta que as pessoas no trabalho foram conversar com ela, mas ela já estava com gravidez muito avançada. Pelo que entendi, no início o ‘terror’ era menor. Na época ninguém sabia como ia avançar, se via mais como recomendação que como determinação. Piorou um pouco no final dos anos 80”, afirma. A irmã de Lidong hoje tem uma filha de três anos e, na opinião dele, não deve querer outro. “É caro ter filhos e ela acredita que não vai conseguir oferecer uma condição de vida melhor se optar por um segundo”, conta.
O governo chinês sempre defendeu que a restrição ao número de filhos, sobretudo em áreas urbanas, contribuiu para o desenvolvimento do país e para a saída da pobreza de mais de 400 milhões nas últimas três décadas. Lidong Sun acredita que a medida trouxe benefícios. “A China continua mais populosa e conseguiu controlar o crescimento. Também acho que é uma contribuição para o mundo, mas claro, poderia ser feito de outra maneira”, observa.
Por Letícia Macedo, da Redação com G1