Desde que agricultores cristãos menonitas se estabeleceram no Chaco pela primeira vez na década de 1940, a área se tornou uma das florestas que mais rapidamente foram degradadas no mundo.
Durante a ditadura de 35 anos do general paraguaio Alfredo Stroessner, que terminou em 1989, a região norte do Chaco foi dividida e vendida principalmente a pecuaristas paraguaios e brasileiros. Uma área equivalente a duas vezes e meia o tamanho de Hong Kong é destruída a cada ano.
Nas últimas décadas, integrantes dos ayoreo, anteriormente isolados, tiveram de sair da floresta para fugir das escavadeiras, equipamentos que eles chamam de “feras com pele de metal”, usados na destruição de suas aldeias.
Chagabi desempenhou um papel crucial na luta pela devolução da posse de 550 mil hectares de terra aos ayoreo totobiegosode, em 1993. Por falar espanhol razoavelmente, ele era frequentemente usado como intermediário entre a tribo e a sociedade local.
Houve pequenas vitórias. Em abril, os ayoreo totobiegosode receberam documentos de posse de 18 mil hectares de floresta. Mas isso é insignificante comparado aos 250 mil hectares de floresta do Chaco que são destruídos a cada ano.
“Ele estava muito decidido e determinado a tentar salvar o máximo de floresta possível, em parte porque ele tinha parentes que ainda vivem na região”, disse Jonathan Mazower, da ONG Survival International.
Chagabi também foi um ativista na batalha contra a extração ilegal de madeira. Ele chegou a montar um ponto de controle bem na entrada da floresta e construiu casas para que os ayoreo totobiegosode pudessem se revezar no monitoramento de qualquer atividade ilegal.
“Chagabi era alguém que passou por um trauma extremo”, disse Xilo Clarke, da Survival International. Mas, como profissional de saúde, “ele fornecia suporte para salvar vidas”.
Chagabi foi o primeiro ayoreo totobiegosode a iniciar um treinamento de enfermagem, servindo uma comunidade que sofre com altas taxas de doença e mortalidade. Discriminação contra povos indígenas, além de problemas com tradução, dificultam os cuidados com a saúde dos ayoreo.
Excluídos da economia de mercado, os ayoreo estão presos entre dois mundos, explicou Xilo, mas Chagabi agiu como uma ponte entre os dois, enquanto também lutava para proteger os membros da tribo ainda em isolamento. Chagabi também mostrou habilidade artística quando fez um filme sobre a importância da água para sua comunidade.
Xilo conheceu Chagabi em abril e filmou uma entrevista com ele. Nela, ele se deparou com um homem relutante, obrigado a assumir o papel de uma figura paterna para os ayoreo. Xilo descreveu-o como “humilde e estóico”.
No vídeo, Chagabi não mostrou raiva ou ressentimento em relação às pessoas que o forçaram a sair da floresta e que o expuseram à doença que o estava matando. Ele expressou empatia e perdão. E disse entender que os missionários queriam que os ayoreo vivessem fora da floresta para que pudessem levar uma “boa vida”.
“Eles acreditavam que viver na floresta era difícil para nós, pois não ouvíamos a palavra de Deus, e da a Bíblia”, disse ele. “Eles pensaram que, forçando-nos a sair da floresta, poderíamos ser salvos.”
Ainda assim, o líder indígena acrescentou: “Não queremos esse contato e ainda estamos sofrendo seus efeitos, suas consequências”.
Uma ‘vítima da negligência do Estado’
A Missão Novas Tribos foi renomeada para Ethnos360. A entidade não respondeu aos questionamentos da BBC News.
Em 1987, o diretor da Missão Novas Tribos, Fred E. Sammons, disse ao jornal americano New York Times: “Nunca forçamos nossa religião a ninguém”. Ele afirmou que os ayoreo viviam “com medo de espíritos malignos e com medo de morte violenta, porque sua cultura é matar. Mas quando eles vêm conosco, eles aceitam um novo modo de vida”.
No entanto, alguns antropólogos argumentam que levar os ayoreo para o mundo exterior os forçou à marginalização e eliminou grande parte de sua cultura. Em sua crônica da vida ayoreo, o professor de antropologia Lucas Bessire escreveu que testemunhou um “mosaico de violência”. E que viu cenas em que meninas trocavam sexo por dinheiro e “papagaios de estimação que imitavam a tosse de tuberculose”.
Ticio Escobar, ex-ministro da cultura do Paraguai, também afirmou que os ayoreo mostraram “todos os efeitos colaterais da perda da identidade cultural: alcoolismo, desorganização social, apatia, violência, suicídio, prostituição e marginalização”.
Em 2007, o Paraguai votou a favor da declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, mas, durante uma visita em 2014, a relatora especial da ONU, Victoria Taulo-Corpuz, expressou preocupação sobre os direitos à terra dos povos indígenas paraguaios e seu acesso a serviços sociais e ao Judiciário.
Na entrevista em vídeo de abril, era visível que a doença de Chagabi já mostrava certo impacto sobre seu corpo. Sua respiração parecia difícil. Xilo disse que o índio se esforçava para conseguir falar.
A morte de Chagabi era evitável, diz Xilo. “Ele deveria ter recebido cuidados durante toda a vida. O governo não fez o suficiente.”
Mas ela se lembrou de como Chagabi era caloroso apesar do seu sofrimento, e de que sua morte foi resultado de negligência do Estado. Xilo diz estar esperançosa de que a luta dos ayoreo continue sem Chagabi, ecoando a mensagem final de líder em sua última entrevista.
“Minha esperança para o futuro é que nossos jovens, as crianças, nossas novas gerações, não se envergonhem de nossa cultura”, disse Chagabi.
“Espero que os jovens continuem praticando a nossa cultura ayoreo, porque, se eles a esquecerem, será muito difícil recuperá-la depois.”
Por BBC