A rodada 22 do Campeonato Brasileiro 2019 foi marcada pela mudança de quatro treinadores em um espaço de 18 horas. Na verdade pode-se dizer cinco, já que Vagner Mancini iria comandar o São Paulo interinamente até o fim do ano, mas com a rápida contratação de Fernando Diniz, se sentiu desprestigiado e pediu para sair. Cuca pediu para deixar o São Paulo após uma sequência ruim, Rogério Ceni foi demitido pelo Cruzeiro após ser fritado pelos líderes do grupo cruzeirense, Zé Ricardo que foi demitido pelo fraco desempenho de menos de 30% de aproveitamento, mas muito mais porque o Fortaleza vislumbrou o retorno de Rogério Ceni ao comando e, por último, Oswaldo Oliveira que foi demitido pelo fraco desempenho a frente do Fluminense e pela briga com Paulo Henrique Ganso. Depois de mais uma rodada, foi a vez de Enderson Moreira ser demitido.

Mas qual lição de tudo isso? O tempo médio de um trabalho de treinador no Brasil é de um pouco mais de seis meses, segundo levantamento pelo site globoesporte.com a quase um ano, mais precisamente, em novembro do ano passado. Esse levantamento levou em consideração cerca de 900 trabalhos entre 21 clubes do futebol brasileiro desde 2003, ano em que o brasileirão começou a ser disputado pelo sistema de pontos corridos.Ano após ano, essa rotina não muda, nessa edição do brasileiro já são 22 trocas de treinadores, o que cada vez mais evidencia a falta de critério dos dirigentes na contratação e manutenção dos trabalhos dos treinadores. Um estudo realizado em agosto deste ano pelo site globoesporte.com, que desde 2011, já foram realizadas cercas de 472 trocas de treinadores em clubes da Série A, isso sem levar em conta as últimas cinco trocas ocorridas. Cada dia que passa a cartolagem brasileira dá demonstrações de uma incoerência e uma incompetência atrás da outra. Em comparação com outras ligas importantes, nesse mesmo período, Itália e Espanha vem em segundo com 166 trocas, seguido de Inglaterra com 143 trocas, Alemanha com 137 trocas e França com 130 trocas. A diferença é absurda.

Podemos citar alguns exemplos estrangeiros para compararmos com o Brasil. Peguemos o Manchester City de Pep Guardiola, quando assumiu o clube na temporada 2016/2017 não ganhou nenhum título em seu primeiro ano. Agora imagine aí, um clube com o tamanho do investimento do City, passar um ano sem ganhar nada e não demitir o treinador, será que no Brasil seria assim? Peguemos agora o Liverpool de Jurgen Klopp, assumiu o clube na temporada 2015/2016, não ganha a Premier League desde a temporada 1989/90, último título de expressão havia sido a Champions da temporada 2004/2005, na temporada 2017/2018 perdeu a final da Champions para o Real Madrid, clube também de um investimento enorme, será que existe pressão para conquistar títulos? Com seu atual treinador o título só veio com três temporadas com o atual título da Champions. Peguemos o Tottenhan de Maurício Pachettino, está no cargo desde a temporada 2014/2015, clube de alto investimento também, a frente do clube ainda não conquistou títulos, chegou à final da Champions na temporada passada, perdendo o título para o Liverpool e se mantém no cargo a cinco temporadas.

Então qual o mistério? Aqui no Brasil isso se tornou algo cultural, onde todos os agentes estão envolvidos e possuem sua parcela de culpa nessa alta rotatividade de treinadores. A torcida é a menos culpada por se tratar de paixão e muitas vezes é passional, é justificado o imediatismo, muito em virtude também que, pelo fato de o Brasil possuir dimensões continentais e os clubes que disputam a Série A são considerados “grandes” em seus estados e isso mexe com a torcida.

A imprensa, muitas vezes é tendenciosa, é parcial e, muitas vezes para ter assunto para discussão, fomenta a derrubada do treinador que está vivendo um mal momento com a equipe com a qual está dirigindo, muito em virtude pelo fato desses jornalistas serem mais torcedores que jornalistas.

Os próprios treinadores, que por muitas vezes abandonam um trabalho promissor, onde possui uma estabilidade, para se aventurar em algo mais vantajoso, principalmente financeiro, vemos os casos recentes de Rogério Ceni, que trocou o Fortaleza pelo Cruzeiro, foi fritado em Minas e voltou para o mesmo Fortaleza, ou o caso de Eduardo Baptista, que trocou o bom trabalho desenvolvido no Sport em 2015 pela “vantagem” de treinar o Fluminense e nunca mais engatou um bom trabalho.

Chegamos aos dirigentes, onde considero os maiores culpados por essa rotatividade, pois contratam os treinadores sem qualquer critério, não respaldam o trabalho dos treinadores, vide o caso do Cruzeiro com Rogério Ceni, demitem de forma aleatória, apenas para dar uma satisfação política a conselheiros amadores e a torcida, uma satisfação a uma imprensa imediatista.

Na Série A esse ano temos alguns casos emblemáticos. O rico e organizado Flamengo, hoje uma das sensações do brasileiro, concordo, tem jogado muita bola, mas não esqueça que quem inicia o trabalho é Abel Braga, excelente treinador, campeão da Libertadores e Mundial pelo Internacional e brasileiro pelo Fluminense. Competência possui, mas possui um estilo de jogo, características que não combinavam com o time que estava sendo montado pela diretoria e, ainda para piorar, antes de fechar com Abel, o nome era Renato Gaúcho que permaneceu no Grêmio, Sampaoli que fechou com o Santos, vejam a disparidade de estilos, prova que não existe planejamento e, se existe, não dão tempo necessário para que o trabalho seja desenvolvido.

Hoje o Flamengo está com Jorge Jesus dando certo, mas lembrem-se que ele levou pancada por causa do 1º jogo contra o Emelec e por causa da derrota por 3 a 0 para o Bahia. Aí te faço a seguinte pergunta, será que se o Flamengo for eliminado pelo Grêmio ou até mesmo perder a final e não ganhar o brasileiro, que já teve o Palmeiras como campeão, vão manter o treinador?

Vejamos o caso do rico e organizado Palmeiras, desde seu retorno a Série A em 2014 o Palmeiras já teve 12 treinadores, são 12 treinadores em cinco anos, nesse tempo, conseguiu uma Copa do Brasil e dois Brasileiros, mas considero exceção essa alta rotatividade com títulos. A última troca, Felipão por Mano, se torna emblemática, pois quando o Palmeiras engatou uma sequência de 34 jogos de invencibilidade, antes da eliminação na Copa do Brasil e na Libertadores, já era o campeão Brasileiro com apenas 12 rodadas, depois de perder a Copa do Brasil, perder Libertadores, perder a liderança no Brasileiro, Felipão deixou de ser um bom treinador e foi substituído por um treinador que havia sido demitido dias antes pelo Cruzeiro, porque não fazia o time jogar. Vai entender.

Essa rotatividade se torna um ciclo vicioso, fazendo com que, treinadores com um bom potencial abram mão de suas convicções sobre um bom futebol, para pensar em se defender em primeiro lugar para a manutenção de um emprego, trazendo um prejuízo técnico imenso para o espetáculo chamado futebol ou até mesmo abandonado um trabalho por uma outra oportunidade, pois sabe que a qualquer momento pode ser demitido.

Dirigentes cada vez mais inseguros, pensando na sua manutenção no poder em seu clube, contribuindo para um amadorismo cada vez maior em nosso futebol. Uma imprensa imediatista, que ao menor sinal de uma sequência negativa já especula se o treinador pode ser trocado, colocando uma pressão ainda maior, num ambiente pressionado por vida. E uma torcida cada vez mais impaciente, cansadas de tantas desilusões ao longo das temporadas.

Infelizmente, casos como o Grêmio de Renato Gaúcho vão se tornando exceções, três anos de comando, dois Gaúcho, uma Copa do Brasil, uma Libertadores, uma Recopa Sul-Americana, três semifinais de Libertadores seguidas, futebol bem jogado que credencia seu treinador a ser lembrado pelos principais clubes do país e até ter sido cogitado em substituir Tite na Seleção Brasileira. Que trabalhos mais longevos em nosso futebol possam sair de exceções para regra em nosso futebol.

Por Thales Carneiro