Parte do problema para se identificar e corrigir distorções na Previdência dos Estados está no fato de sequer haver um padrão para acompanhar os seus resultados. Existem três cálculos. Todos são oficiais e corretos, mas têm resultados distintos. Neste ano, parte dos Estados passou a considerar a metodologia do Tesouro Nacional, que inclui mais dados. Por esse parâmetro, os rombos previdenciários deram saltos. A soma totalizou R$ 77 bilhões no ano passado e, pelo ritmo de crescimento observado, tende a encostar em R$ 100 bilhões ao final deste ano.
A estimativa foi feita pelos pesquisadores Vilma da Conceição Pinto e Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Entre 2014 e 2015, os déficits somados tiveram alta de 18% acima da inflação. “Pela velocidade do aumento, se as regras da Previdência não forem revistas, em pouco tempo todo mundo vai ser Rio de Janeiro”, diz Pessôa.
O que chama a atenção no caso do Rio é principalmente a velocidade com que o rombo se revelou. O Estado não tem o maior déficit. São Paulo é o líder: foram R$ 16 bilhões no vermelho no ano passado, pela regra do Tesouro. Mas o governo paulista adotou uma série de medidas para reorganizar o sistema e freou o crescimento, que foi de pouco mais de 3% entre 2014 e 2015. Minas Gerais é o segundo colocado, com um déficit de quase R$ 14 bilhões. O Rio vem em terceiro lugar, mas de um ano para outro o buraco foi de R$ 4,9 bilhões para quase R$ 10,8 bilhões. Descontada a inflação, o fosso dobrou de tamanho.
Não houve uma corrida a aposentadorias. O problema é que a recessão escancarou as distorções. A maioria dos servidores está no antigo regime, que não se paga: são 233 mil na ativa para cobrir benefícios de 260 mil aposentados e pensionistas. A maioria se aposenta aos 56 anos. Professores, aos 50. O governo identificou a bomba relógio e criou um sistema novo. Quem entrou no serviço público após setembro de 2013 está num fundo capitalizado e superavitário. Mas são apenas 18 mil ali. A banda deficitária, que atende a vasta maioria, era coberta por receitas extras. Com a recessão, virou pó, levando caos a todos os servidores.
“Os royalties do petróleo estavam sustentando o déficit e a transição de um modelo para o outro – vários economistas criticaram, mas era o necessário. Com a crise, a reforma da Previdência, que já era importante, se torna urgente”, diz Gustavo Barbosa, ex-presidente da Rioprevidência e, desde julho, secretário de Fazenda, numa sinalização de onde reside o maior problema das contas do Estado.
Leniência – Quem conhece a máquina pública por dentro é categórico em afirmar que uma combinação de regras generosas na concessão de benefícios e a leniência em elevar salários nos últimos anos foi decisiva para acelerar a deterioração da Previdência nos Estados. “Pesaram muito os reajustes salariais dos últimos anos que, pela regra atual, são estendidos aos inativos”, diz Andrea Calabi, que acompanha as contas públicas federais e estaduais desde os anos 80.
Nessa dinâmica, o que mais pesa é a aposentadoria especial, por ser precoce. Ela não está apenas colocando mais gente no sistema, numa velocidade maior. Como se vive cada vez mais, tem o efeito de antecipar um período de descanso que tende a ser cada vez mais longo. O Rio Grande do Sul é um exemplo desse efeito. “A nossa expectativa de vida já é alta e no serviço público é maior ainda – se compara a de países nórdicos, como a Suécia”, diz José Guilherme Kliemann, secretário adjunto da Casa Civil e conselheiro da RS Prev. Nada menos que 9% dos inativos gaúchos têm mais de 80 anos e a tendência, segundo ele, é que esse efetivo aumente. “Agora imagine que a pessoa ganha uma aposentadoria especial aos 50 e viva mais de 80: é ótimo viver mais e melhor, mas, no aspecto previdenciário, é insustentável pagar isso”, diz Kliemann. A crise gaúcha é tão grave quanto à do Rio. Lá, também há atrasos no pagamento de salários e o rombo previdenciário beira R$ 7,5 bilhões.
Quem ainda não chegou ao limite, teme o futuro pelas mesmas razões. Alagoas, por exemplo, tem cerca de 40 mil inativos e 30 mil na ativa – 20% deles vão poder se aposentar nos próximos quatro anos. A maior pressão, diz George Santoro, secretário de Fazenda, também vem das aposentadorias especiais, em particular de policiais militares. “Os PMs estão se aposentando aos 48 anos e a gente precisa repor constantemente, pois bombeiros e policiais prestam serviços essenciais – não se terceiriza isso”, diz (leia abaixo). A solução, porém, não está na mão dos governadores. “Sozinhos, os Estados não conseguem enfrentar essa questão, porque a legislação dos militares é federal, precisamos da União para resolver isso.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.